Sapatilha quando nasce faz calo no meu dedão
Sinto falta das sapatilhas apertando meus
dedos dos pés. Sinto falta de voar sem sair do chão. Não importa quão forte
seja minha certeza momentânea de que quero largar o ballet, um tempo passa e
ela se desfaz como uma nuvem de fumaça.
Há uma
necessidade muito grande em mim de ser quem não sou. Uma vontade de fazer de
conta, de fechar os olhos para me enxergar de uma maneira diferente da que o
espelho me mostra.
Sinto falta de sentir dor. Meu eu se alimenta
do meu sofrimento. Mesmo aprendendo a ser feliz preciso de uma válvula de
escape, uma fonte de dor que me faça sentir viva. Preciso da dor que vem de
fora para aliviar a dor que vem de dentro, para me dar motivos 'reais' para
chorar as lágrimas que existem de qualquer maneira, sem motivo. É melhor que
elas caiam e me molhem pelo lado de fora, do que se acumulem e me adoeçam aqui
dentro.
As sapatilhas são uma ótima fonte de dor e
alívio, são também muito boas para me ajudar a ser quem não sou. O esforço que
é feito para ficar em cima delas, para dançar e sorrir como se estivesse
descalça. Se o nariz de palhaço cobrindo a pontinha do nariz tem o poder de
transformar completamente alguém, a sapatilha tem o mesmo poder cobrindo apenas
os pés. É como dar asas e ensinar a voar, dar a possibilidade a alguém de
dançar em cima de sapatilhas.
Sinto sua falta, querida renneezinha. Você me
ensinou a voar muitas vezes. Mesmo que eu insistisse em cair no chão, você me
ajudava a me levantar e me entregava novamente minhas asas para uma próxima
tentativa.
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