O beija-flor

Eu vou te contar essa história aqui porque ela precisa ser contada. Tem histórias que precisam ser contadas. Elas não sossegam na nossa cabeça até que a gente as conte, até que a gente coloque elas para fora e às disponibilize para que as pessoas que precisam saber daquelas histórias assim o façam. Essa é uma dessas histórias. É verdadeira. Aconteceu comigo, nessa quarta-feira. Talvez você seja uma dessas pessoas. Pode ser que você precise saber dessa história porque ela vai adicionar um algo essencial à sua vida assim como a experiência que originou ela fez na minha. Eu espero que sim. Eu espero mesmo que, no mínimo, ela o faça esboçar um sorriso no rosto. Aquele sorriso que vem de uma certeza. De que a vida é muito linda, e que ela é tanto mais do que a gente imagina. 


Eu acordei de manhã me sentindo um pouco estranha. Arrodeava meu peito um sentimento assim de saudades. Algumas pessoas vieram à mente que poderiam estar relacionadas à esse sentimento. Mas aí palavras começaram a surgir dentro da minha cabeça, um texto. Fui pegar meu caderninho de croquis, ferramenta essencial para uma vida sadia, e escrevi aquelas palavras que foram surgindo dentro de mim. E então descobri saudades de quem eu sentia, eram da Gabi. O texto foi o seguinte:


Acordei pensando em te ligar. Mas hoje em dia ninguém telefona mais. E, ademais, donde estás não tenho o número. Nem sei muito bem onde estás, se estás. A saudade veio pela noite, mas a enfiei debaixo do travesseiro para a descrobir mais forte pela manhã. Estava precisando de teus conselhos. Sim, sim, para coisas do coração. Sempre para coisas do coração. Acho que me falta sensatez nessa área. E se pudésses me dizer umas palavras, terminadas num abraço. Aquele abraço ao qual ainda nos acostumávamos, mas não tivemos tempo, de terminar os telhados de nossas casas. A tempestade veio e derrubou tudo. 


Por volta do meio dia, ou da uma da tarde, eu estava sentada na rede na varanda aqui em casa. A varanda fica de frente para uma florestinha que tem no terreno do prédio, que eles gostam de chamar de bosque. A varanda é toda telada, assim como todas as janelas do apartamento. Enfim, estava eu sentada na rede de frente para a florestinha distraída no celular quando um beija-flor veio voar pertinho de mim, colado na tela, na altura do meu rosto. Ele ficou ali batendo as asas no mesmo lugar olhando para a minha cara. Ficou ali tempo suficiente para que eu pudesse observar ele de uma maneira que em nenhum outro momento eu tivera a oportunidade de observar um beija-flor. Eu vi as diferentes cores das penas dele, meio azuladas, meio arroxeadas, eu vi o biquinho fino e longo, eu vi aqueles olhinhos pretos olhando para mim. Não foi tempo suficiente para acessar a camera e filmar, mas foi o suficiente para eu achar que aquilo tinha sido a coisa mais linda do mundo. Esse foi o meu primeiro pensamento, "Essa foi a coisa mais linda do mundo!", o segundo pensamento foi lembrar do último post que a Gabi fez no Instagram com uma foto nossa, quando eu estava na Noruega, antes de ela morrer. E lembrar da música que ela colocou junto com a foto que diz:


Não se admire se um dia um beija-flor invadir

A porta da tua casa, te der um beijo e partir

Fui eu que mandei o beijo

Que é pra matar meu desejo

Faz tempo que eu não te vejo

Ai que saudade d'ocê


Então cantei essa parte da música rindo e chorando ao mesmo tempo. O sentimento que cruzou o meu corpo eu não sei nomear. Não era bom ou ruim, mas era forte e passava como uma corrente elétrica pelo meu eu arrancando lágrimas dos meus olhos e um sorriso enorme da minha boca. A lembrança daquele acontecido e uma felicidade tão pura me acompanharam durante o resto do meu dia. E eu volto sempre a sentir essa coisa dentro de mim que talvez se chame esperança toda vez que eu conto essa história e consigo arrancar um sorriso da boca de uma outra pessoa. Chama propósito né? Quando a gente encontra algo que a gente sente que deveria estar fazendo, um papel que a gente acredita que é o nosso nessa vida e nesse mundo. 


E eu me sinto muito feliz por ela ter me deixado esse presente, essa música que sempre que tocar vai me fazer pensar nela e, agora, nesse beija-flor que veio me visitar. É a nossa ponte, ou uma chave que abre o canal por onde passa toda uma gama de sentimentos mais complexos do que a nossa limitada razão pode entender, ou nomear. Talvez isso se chame amor, mas falta entender ainda.

Comentários

  1. Pinguinhos escorreram dos meus olhos, e uma deliciosa esperança no meu peito.

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  2. Lindo texto! Que sensibilidade e doçura! Parabéns!

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