Conto meu.

Numa outra vida

9 de agosto de 1967, quarta feira. Um dia importante na minha vida. Primeiro contato com alguém de quem nunca mais me separaria. Primeira vez que encontro a minha alma gêmea.
Não estivemos em contato por muito tempo, mas foi o suficiente para que marcasse nossas vidas eternamente. Penso que um simples toque, o encostar da minha pele na dele, já seria suficiente, pois o que senti era realmente forte e único e ficou para sempre adormecido nas profundezas da minha memória.
Nesta vida eu era um homem. Contava já 67 anos e pensava não haver mais nada no mundo para mim. Viajara a lugares longínquos em busca de aventura ou conhecimento e a vida não mais me impressionava como antes. Na época eu passava horas lendo, escrevendo, rabiscando e vivendo a maior parte do tempo em um mundo só meu que eu havia construído dentro da minha cabeça.
Naquela quarta feira eu havia resolvido andar sem rumo pela minha cidade para tentar desvendar algum segredo seu que eu houvesse perdido de vista. Em uma avenida muito movimentada me chamou a atenção apenas um velho cego que estava sentado em um banco próximo à esquina. Não pedia esmolas, tinha a aparência de observar o burburinho de todas aquelas pessoas passando apressadas. Acometeram-me uma vontade e uma certeza inexplicáveis e fui me sentar próximo ao velho, que de imediato apercebeu-se de minha presença e me saudou com um sonoro "Bom dia".
Perguntei-lhe o que fazia sentado ali, no que me respondeu que olhava e observava as pessoas que por ali passavam. Eu quis saber o que via e me descreveu as situações da avenida com uma riqueza de detalhes que certamente nenhum dos apressados passantes seria capaz. Fiquei mais que admirado e passei a sentar todos os dias ao lado do velho para escutar tudo que tinha a me dizer.
Senti a vida nascer em mim novamente e experimentei uma sensação de estar completo como nunca antes havia experimentado. Era como se todos os anos em que eu havia estado no mundo, todas as viagens que fiz, tivessem como objetivo encontrar aquele banco e aquele velho.
Três meses depois o velho morreu. A sensação de vazio foi quase imediata. Mas logo em seguida eu viria a conhecer a minha neta recém nascida para ver renascer o sentimento que me prioporcionara o velho e a certeza de que nunca mais eu estaria sozinho.
Mesmo que morramos e renasçamos muitas vezes e, eventualmente, venhamos a nos separar por qualquer período de tempo. Sei que minha alma gêmea existe e que um abraço é suficiente para recuperar toda a memória do que somos.

Comentários

  1. mtu bonito esse conto, acho q já li ele em alguma das minha vidas passadas...

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