Diário de Viagem - Morando no Brasil

10/10/2013 - 19:12 - Niterói, Rio de Janeiro, Brasil

É muito engraçada essa vida que a gente leva em sociedade. Costumo pensar que não faz sentido nenhum o conceito de liberdade. Não compreendo e acabo acreditando na não possibilidade do termo aplicado à vida prática que conheço; na não existência de algo - ato, sensação, posicionamento, ideia,  sentimento -, nos limites do meu conhecimento da vida humana, que possa ser dito livre ou possa ser chamado de liberdade.

Hoje eu vi e compartilhei no facebook um vídeo que trata de um tema que é muito polêmico dentro da minha própria cabeça. E ele me fez pensar não apenas no próprio tema, mas em diversas coisas que de uma maneira ou outra estão interligadas por algo que eu acho que poderia chamar de 'construção social'. Eu sempre tenho medo de falar usando termos que foram concebidos, desenvolvidos e utilizados por outras pessoas com uma carga de conhecimento muito maior do que a minha, e isso é um outro algo que me faz pensar na tal liberdade e na força que a sociedade tem... no sentido de... minhas ideias são minhas mesmo?

Existem episódios na minha vida que deixam claro o quanto a sociedade pode influenciar as nossas escolhas e quem decidimos ser.   

O mais recente foi em relação ao meu novo corte de cabelo. E é impressionante como um ato tão simples como cortar os cabelos - que vão crescer depois de um determinado tempo - podem causar uma polêmica de tamanho razoável. Dentro da minha cabeça a polêmica ainda começou bem antes... Antes de decidir cortar eu tinha meus cabelos bem longos e cacheados e certo dia eu decidi alisá-los. A desculpa que eu inventei para mim mesma foi a de que cabelos lisos são muito mais práticos e por isso eu queria fazer alguma dessas escovas que estavam na moda na época. A verdade mesmo é que a explicação para a minha escolha não é assim tão simples... Eu fui levada a acreditar que cabelos lisos eram mais bonitos e mais práticos e me sentia mais bonita com os cabelos alisados e achava que a minha vida era muito melhor. Mas não era. O que eu descobri no final de toda uma experiência cabelística foi que o mais prático é aprender a lidar com seu cabelo natural e não ficar presa a idas periódicas ao salão de beleza. Depois de fazer um desses procedimentos que estragou o meu cabelo a ponto de caírem algumas mexas eu resolvi parar, pensar e mudar de tática. Comecei a pensar em voltar a ter meu cabelo natural e em cortar todo aquele que tinha sido mexido. Da primeira vez em que fui ao salão com esse intuito não dava para cortar tudo porque a parte natural estava muito pequena e eu deixei ele acima dos ombros ao mesmo tempo em que começava a tentar aprender a formar cachinhos com o auxílio de um finalizador. Nessa época eu ainda tinha dúvidas sobre cortar tudo tudo e deixar ele bem curtinho, a certeza só veio quando eu estava lá na Itália e acho que está ligada a muitas coisas... exemplos de meninas lindas com cabelos cacheados lindos, o fato de começar a fazer parte de um grupo no facebook de meninas que passaram pela mesma transição que eu estava passando, uma maturidade que eu ganhei com a experiência que tive na Europa que me ajudou com coisas que eu não poderia imaginar - como a minha auto estima -, entre outras coisas conhecidas e desconhecidas. A parte mais curiosa disso tudo era o a questão que me trazia mais dúvida, a única que ainda me trazia alguma dúvida... Eu pensava - sim, é bem ridículo - "Estou solteira, homens não gostam muito de mulheres de cabelos curtos, será que a possibilidade de sair com alguém vai diminuir quando eu cortar os cabelos?". O pensamento era mais ou menos esse, porque pensamentos não são muito claros. E a quantidade de pessoas que me chamaram de maluca ou que disseram que eu tinha feito uma coisa radical... e a quantidade de homens que me disseram que preferem cabelos longos... e a minha felicidade em descobrir que eu não me importava e que eu estava amando ter tomado a decisão - que nem deveria ser difícil assim - e ter meus cabelinhos curtinhos e cacheadinhos.

O caso mais antigo é o caso do vídeo que eu compartilhei, o caso dos meus pelos. Eu tinha uns 11 anos quando eu comecei a ter pelos mais grossos de baixo dos braços, nas pernas, pelo rosto. Na época eu achava aquilo uma coisa muito normal e achava que não tinha nada a ver ficar tirando. Eu tinha a mania de querer ser diferente também e não queria depilar que nem todo mundo. Mas eu estava na pré-adolescência, já tinha começado a gostar de meninos, tinha uma auto estima baixa... Começaram a falar mal de mim e eu comecei a depilar tudo... Hoje em dia vivo em uma luta eterna contra os pelos do meu corpo. Tenho vergonha de mostrar minhas pernas quando não estão depiladas, me sinto feia, provavelmente vejo mais pelos do que realmente existem. Tenho vergonha porque possuo mais pelos nos braços ou no rosto do que eu supostamente deveria - e olha que nem tenho um bigodão. E acho que essa concepção começou a ser formada lá atrás naqueles meus 11 anos. Posso dizer que ser brasileira eleva esse drama, a expectativa em relação a depilação da mulher brasileira costuma ser alta. O Brasil exporta um padrão de beleza de corpos sarados e depilados que faz muita gente ficar deprê. É o padrão de beleza que eu conheço aqui do Rio de Janeiro. E por aí afora se escuta falar muito em Brazilian Waxing e Brazilian Butt. Quando eu disse para uma menina grega que eu sou brasileira ela me disse: "Ah! Brasileiras têm um corpo muito bonito!", no que eu respondi: "Ah é? Que responsabilidade!"...

A mesma coisa pode ser estendida para muitos outros âmbitos da minha vida. A maneiro como me vejo não só fisicamente, mas também o tipo de coisa que penso, como penso... meus comportamentos... meus sentimentos. Difícil me perceber como um ser independente, autônomo, livre.

Termino o meu diário de hoje com uma fotografia de uma propaganda na TV lá na Holanda:

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