Diário de viagem - me aventurando na Nova Zelândia

Auckland, 18 de Novembro de 2019.

14:04 horas

Está chovendo lá fora. Tem feito um dia de sol para dez de chuva. Ontem foi o dia de sol, que sorte que foi o dia em que decidimos sair para conhecer Takapuna, onde tem praias e tal. Só que assim, não pegamos praia, estava sol mas não tanto. Meio sol meio nuvem, bastante vento frio, temperatura em torno dos 19 graus. Eu escutei a chuva de ontem já da cama antes mesmo de despertar. Um pinga pinga estava atrapalhando um pouco o meu sono e eu achei que poderia ser o chuveiro vazando, mas me lembrei de escutar o mesmo barulho em outro dia de chuva. Já sabia naquele momento que tipo de dia seria hoje, já decidi inclusive que não seria dia de explorar e conhecer nada novo, mas de repente ir para a biblioteca escrever e ler. Depois que acordei tive apenas essas ideias confirmadas.

No sábado eu comprei uma passagem de ida e volta para Brisbane, na Austrália. Vou visitar a Flávia e a família dela. Vou no dia 22, sexta-feira, e fico até o dia 9 de Dezembro. Acho que vai dar tempo de ver bastante coisa. Eu não sei nada sobre Brisbane, mas a Flávia já me contou que lá está fazendo calor, o que para mim já é uma boa notícia. Eu amo calor. Estou sentada em frente a janela agora e vejo que a combinação da chuva fina com a ventania faz os pingos de água parecerem flocos de neve. Bom além do calor do clima eu imagino que tenha por lá bastante calor humano também. Porque a Flávia é uma querida e eu mal posso esperar para passar um tempo com ela.

Quanto tempo a gente leva para se acostumar a um lugar novo? E quanto tempo para que consigamos ver tudo o que um lugar tem a oferecer? Deve depender muito né. Pode ser que leve uma vida inteira. Depende da nossa capacidade de olhar ao redor. Da nossa capacidade de nos permitir pegar novos caminhos e de olhar para as coisas de perspectivas diferentes. Tem coisas que pode ser que a gente nunca veja, coisas que vemos somente quando alguém aponta o dedo. Eu lembro com muita clareza como foi quando eu cheguei em Siena. Eu não vi nada. Para mim todas as ruas e todos os prédios eram iguais, eu me perdia andando por aquela cidade com muita facilidade. A verdade mesmo é que assim que cheguei eu nem achei a cidade bonita, exceto pelas vistas que ela proporciona da Toscana.  Depois de um tempo morando lá e passando pelas mesmas ruas todos os dias o meu olhar foi mudando. Eu comecei a reparar nos detalhes que diferenciam uma travessa da outra, um prédio do outro. Eu comecei a perceber que a cada dia eu via um elemento que nunca tinha visto antes. Acho que aquela foi a primeira vez que eu entendi que isso acontece. Talvez esse entendimento me tenha feito abrir mais os olhos também e buscar essas coisas que eu sabia que ainda não tinha conseguido ver. No final do período em que vivi em Siena eu achava a cidade linda, acho até hoje. Imagino que seja a combinacao de ter podido ver todos esses detalhes que não me saltaram aos olhos nos primeiros dias com os bons momentos vividos lá. Eu tenho começado a perceber isso aqui por Auckland agora. Talvez porque eu esteja começando a me sentir um pouco mais confortável, um pouco mais em casa. Talvez depois de ter passado um tempo resolvendo tantas coisas relacionadas à mudança para cá eu esteja finalmente me permitindo estar aqui e experimentar o que isso significa. Me deixo levar por cheiros, por letreiros coloridos, por músicas animadas. Entro em lugares desconhecidos, paro no meio do nada, no meio da rua e olho para todos os lados. Olho para cima e para baixo, buscando os ângulos negligenciados. Vejo prédios novos que, para mim, não estavam ali antes. Vou desenhando o mapa da cidade na minha cabeça. Já raramente preciso recorrer ao Google maps. E agora que estou me acostumando com Auckland vou embora para Brisbane, porque é isso que eu faço comigo mesma. Mal comecei a entender esse lugar aqui já me vou para outro lugar desconhecido.

Todo sábado de tarde e de noite tem uma espécie de feirinha de comida que acontece em um estacionamento em uma rua calma bem no centro da cidade. Tem tanta coisa com cara de delícia e tem tanta coisa que nunca vi também. A maior parte comida oriental. Me dá vontade de ir lá e comer um pouco de tudo. Menos em uma das barracas que se auto intitula "bbq premium" e vende orelha de porco, fígado de porco, intestino de porco... Não, obrigada.

Eu tinha visto no mapa, um dia desses, um lugar chamado "Food Alley" e claro que eu precisava conferir o que era. Resolvi ir lá dar uma olhada. Parece uma praça de alimentação sem shopping somente com restaurantes indianos, chineses, japoneses, koreanos, indonesios, malasios... Achei interessante porque amo todos esses tipos de comida. Daí, quando eu estava de saída um homem veio falar comigo. "Hey! You! Where are you from? South America!" E eu fiquei um pouco assustada, mas respondi que sim. Era um homem de estatura média, cabelos grisalhos, pele vermelha do sol e olhos azuis. Parecia estar bêbado, a voz era um pouco pastosa, os movimentos incertos e os olhos muito vermelhos. Mas ele foi muito amigável. Me perguntou de que país eu era. Respondi Brasil e ele me disse que a moça ali era da Colômbia enquanto apontava o dedo para alguém que não vi. Perguntou se eu estava aqui de férias e quanto tempo eu ia ficar. Eu perguntei se ele era daqui e ele disse que sim, que viveu aqui a vida toda. Falou algo do tipo que a mãe dele quer que ele viaje com ela, mas ele quer ir de avião e ela quer que ele dirija, mas ele não quer dirigir não. No fim ele me perguntou meu nome e me disse o dele, que era Tim ou algo do tipo. Apertamos as mãos e nos desejamos um bom dia. Fui embora.

O que eu não contei que aconteceu fazem muitos dias foi que eu estava andando na rua e um senhor me parou e começou a falar comigo em espanhol. A sorte dele é que eu falo espanhol, né. Ele nunca vai saber que não sou daquele país latino que ele acha que eu sou. É muito engraçado passar por essas situações e ter um pouco uma noção do que as pessoas pensam quando olham para a sua cara.

Em uma manhã dessas o Nebojsa e eu estávamos voltando para casa e um casal parou a gente na rua perguntando se tínhamos cinco minutos para ajudar eles com um projeto que estavam desenvolvendo. Nos explicaram que são chilenos e que estão fazendo um projeto fotográfico sobre os protestos que estão acontecendo no país. Disseram que a repressão do governo está fazendo as pessoas perderem a visão. Imagino que machucados por balas de borracha ou coisas do tipo. Queriam de nós uma foto da nossa cara com um dos olhos tampados, além dos nossos nomes e do nosso país de origem. A ideia deles é trazer atenção para o que está acontecendo em um país que parece estar tão longe daqui.

Agora chega de historinhas. Vou deixar vocês com uma foto da janela molhada pela chuva.


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