Diário de viagem - Auckland no Rio de Janeiro

Niterói, 01 de Dezembro de 2019.

13:29 horas

Na continuação da ideia que eu trouxe no post anterior, a de que tem coisas que só acontecem no Brasil, ou na América Latina, tenho um relato de hoje de manhã.

A Karina e eu fomos ao mercado comprar bisnaguinha e Toddynho para complementar o nosso café da manhã. Compramos também miojo e nuggets para o almoço, vai ser um dia inteiro de ode à infância. Na volta para casa espirrei duas vezes quando passava na frente ao prédio que é vizinho ao meu. A cada espirro escutei um "Saúde!" vindo de trás dos vidros escuros da portaria do prédio. "Atchim!", "Saúde!", "Atchim!", "Saúde!... Fiz um sinal de obrigada para o vidro cinza escuro e sorri, esperando ser visualizada pela pessoa educada que eu não podia ver, mas que estava ali dentro. Virei para a Karina e falei "essas coisas só tem aqui.". Não conheço uma outra realidade em que um porteiro gritaria saúde de lá de dentro da portaria ao ver uma pessoa espirrando na calçada. Essas coisas me dão muita satisfação.

Todos os dias eu escrevo três páginas pela manhã, logo depois de acordar. É um exercício que eu faço para desenvolver ou me conectar com a minha criatividade. É um exercício que acaba me ajudando a me conectar comigo mesma. Tirei ele do livro "O caminho do artista" da Júlia Cameron. No meio de todo esse redemoinho que é a minha vida nesse momento eu sigo escrevendo as minhas páginas matinais. Eu gostaria de compartilhar o que eu escrevi no meu primeiro dia de volta ao Brasil. Vamos voltar às viagens ao passado.

Niterói, 25 de Novembro de 2019.

13:37 horas

As páginas matinais se tornaram páginas da tarde com a mudanca de país. Me levantei a força por volta da uma da tarde me sentindo atropelada pela vida porque para o meu corpo eram cinco da manhã. Nada em volta de mim parece realidade no momento e eu sinto como se o meu corpo estivesse anestesiado, minha mente também. Ainda não comi nada e sinto muita fome. Mas, no momento, essa fome não parece para mim uma urgência para comer, parece ser apenas parte de toda essa grande dor que toda essa situacao me causa. Ao mesmo tempo, a dor da fome também vem anestesiada, como me vem todas as outras sensações. Me sinto fraca e um pouco tonta, provavelmente sintomas da falta de alimento. Mas não tenho mesmo vontade de comer. Fiz um chá, que chá ajuda. Acordei enjoada também nas minhas cinco da manhã uma hora da tarde.

Eu não acho que esteja ainda em alguma posição para pensar em alguma coisa, menos ainda para tomar algum tipo de decisão. Mas, se pensar bem, a decisão das decisões eu já tomei. Eu voltei. Eu saí de cena. Eu joguei a toalha. Eu desisti. Não digo nada disso com algum sentido ou conotação negativos, foi isso mesmo que eu fiz. Uma parte de mim, talvez uma boa parte, acredita que era isso que deveria ser feito. Uma medida drástica. E o que vai vir disso tudo? Eu não sei. Mas algo me diz que se ficasse nada iria mudar. Só que outra parte de mim me diz que eu não tenho como saber disso.

Eu estou muito triste e muito machucada. Estou também bem perdida. Não sei mais de nada. Agora, existe algo inédito, talvez engraçado. Eu tenho uma certeza na vida, tenho uma âncora comigo nesse oceano de caos. Escrever. Eu tenho esse algo que é meu, que eu escolhi para mim. Acho mesmo que tenho esse algo que sou eu. Eu tenho a mim. Eu me escolhi para mim. Acho até que isso me influenciou a tomar a decisão que tomei. E eu me trouxe comigo, eu trouxe a escrita, eu me trouxe escritora. É diferente sofrer quando temos algo assim, quando temos uma âncora. Parece ser um sofrimento menos desesperado. É um sofrimento mais sereno. Mas ainda assim é sofrimento.

Tô com sono. Talvez eu devesse dormir. O pior é que está um dia lindo lá fora, daqueles que eu sentia falta quando estava por lá. Mas eu não tenho energia para aproveitar. E aqui na cama tenho gatos também, que era outra coisa que eu sentia falta. Eles dormem e me incentivam a dormir. A Bianca está deitada com a cabeça na minha perna roncando. Literalmente roncando.

O chá esfriou e agora já dá para beber. Chá de camomila, mais um incentivo para dormir.

Eu dormi mais. Agora são cinco da tarde. Espero que eu consiga dormir de noite. Está muito difícil sair da cama, mas eu preciso comer. Espero que comer me faça sentir melhor. Espero que eu esteja tão fraca porque ainda não comi. Espero que não queira sair da cama por estar tão fraca. Espero que eu recupere a minha vontade de viver. Eu sinto que a minha mente ainda está ali. Perdida no meio da tristeza e do cansaço e da fraqueza, mas está ali. Eu estou ali. Ainda estou aqui. Meu estômago acabou de roncar. A fome está se mostrando mais forte. Acho que é um bom sinal. Qualquer sensação mais forte deve ser um bom sinal. Qualquer coisa que me tire desse estado anestesiado. Que me tire desse estado de numbness. I am numb. I feel nothing. Now I am hungry, I feel something.

Sometimes I wish someone would come and rescue me. But I guess that's not how things work. I think if you want help you have to ask for help. Help is not just gonna assume you need it and come. Help knows assuming is wrong. And the truth is people offered to help. But again it must come from me the decision of accepting that help. I am in no shape for making any decisions. I can only say what I know. I know I am very tired. I don't know I need that help, although sometimes I feel I want it. It is not "help" the word that comes to mind though. I feel I want to be rescued, to be saved. I think I want to be rescued from the current reality where I am living right now. And I think no one can do that for me. No one can help me with that. I don't want to be here. I was forced to be here. It was my choice, but I felt I had no choice. I know I don't want to be here and yet here I am. Can there be a bigger pain? To choose what we know we don't want? But was it a choice if I had no choice? If all the choices were for being in places where I didn't want to be?


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