Diário de uma quarentena solitária

Dia 29 de março. Já não sei mais quantos dias faz desde que começou essa tal de quarentena por conta do coronga vairus. Sei que já deve fazer um mês que estou isolada dentro de casa porque antes de todo mundo ter que ficar em isolamento eu tive uma infecção de garganta que me deixou de resguardo por um tempo, que logo após emendou na quarentena. Estou basicamente na vanguarda quarentenal, dá licença. A minha situação é mais ou menos a seguinte: estou passando esse tempo acompanhada apenas de dois gatos, praticamente sem contato com outros seres humanos, saio de casa apenas para comprar mantimentos (e levar o cachorro do vizinho para passear na tentativa de manter a minha sanidade mental). Eu tenho receio de não saber mais ter uma conversa com pessoas reais quando isso tudo passar. Tenho feito contato com as pessoas que eu conheço apenas de maneira virtual.

Apesar dos apesares eu estou bem. Tenho curtido esse intensivão de Mariana e tenho conseguido aproveitar esse tempo vivendo como uma ermitoa para me entender um pouco melhor. Claro que me sinto sozinha em muitos momentos. Para ser mais exata, costumo me sentir sozinha todos os dias por volta das cinco ou seis horas da tarde. O momento em que o sol vai embora é o momento da solidão por aqui. A parte boa de ser uma coisa com hora marcada é que eu vou me acostumando, já sei que o sentimento vai surgir e vou buscando estratégias para recebe-lo da melhor maneira possível. Em alguns momentos quando não estou me sentindo muito bem ou quando estou nervosa por algum motivo, com muita coisa na cabeça, eu faço uma sessão de yoga. Para que funcione bem, eu coloco no aplicativo de yoga que eu uso 60 min de prática com foco na respiração. O aplicativo ainda me deixa decidir por quantos minutos quero ficar em shavasana, que é a última pose, em que devo ficar deitada sem me mover. Durante esse momento final o aplicativo faz comigo um relaxamento guiado. Tem funcionado bem, eu termino a prática me sentindo mais calma e com menos sentimentos ruins.

Algo que acontece também nos momentos finais da yoga é que eu experimento uns breves momentos de transe e tenho uns insights sobre mim e a vida. Ontem a coisa aconteceu de uma maneira muito curiosa. Durante a shavasana, no lugar de seguir o relaxamento guiado, eu resolvi tocar o meu corpo.
Eu comecei a tocar o meu rosto de um jeito que eu acho que eu nunca tinha feito antes. Eu me toquei da maneira que eu toco os outros. Me indaguei "como que eu faço quando eu estou com alguém, por exemplo quando eu tenho um namorado e a gente tá junto"; porque eu tenho mania de meio que explorar o corpo da pessoa, a fisionomia da pessoa e ir tocando cada curvinha como se eu fosse cega e estivesse tentando enxergar com a ponta dos meus dedos. Ao mesmo tempo, isso é um jeito de fazer carinho, mas explorando, reconhecendo. E ai eu comecei a fazer isso comigo mesma, e eu acho que eu nunca fiz isso antes porque eu comecei a reparar certas coisas sobre o meu rosto, sobre a minha fisionomia, sobre como que eu sinto quando eu toco o meu nariz, o meu queixo...

Eu senti a minha pele como se não fosse minha. Explorei as curvas do meu rosto, percebi o quanto não me conhecia. Prestei atenção no meu corpo como tinha antes apenas prestado a outros corpos, que nunca foram meus, mesmo que eu quisesse acreditar que fossem. Senti a textura da minha pele e dos músculos que vivem debaixo dela. Percebi que tenho muito cabelo e meus dedos se perderam dentro de um cafuné. Me abracei e percebi como sou pequenininha. Chorei, tive calafrios, meus pelos queriam se desprender do meu corpo. Me consolei, acariciei os meus ombros. percebi que posso contar comigo. Senti como o meu queixo é redondo e fofinho. Como a minha pela é macia e como meus lábios são secos. Percebi que pequenas e redondilhas são as minhas orelhas. E como meu nariz é firme e altivo, parece que comanda toda a minha cara.

O meu foco estava no que que eu estava sentindo com as minhas mãos, no tocar, e não em como a parte que estava sendo tocada sentia. Apesar de que eu sentia os dois, claro, mas eu tinha mais atenção nessa parte de mim que tocava, não na que era tocada. Me toquei como se não soubesse que tocava meu próprio corpo. Foi um momento catártico, eu chorei, mas não de tristeza, fiquei emocionada. Como se pela primeira vez eu estivesse me dando carinho do jeito que eu ja dei tantas vezes pra uma outra pessoa.

Espero que todos nós possamos sair melhores dessa experiência. Se cuidem, fiquem em casa e aproveitem esse momento, nem que seja para reclamar; que eu sei que vocês adoram reclamar.

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