Memórias

Você também colecionava papel de carta? Eu entrei em um site para tentar comprar um material de arte e na sessão dos papeis me veio essa lembrança de que eu colecionava papel de carta. Eram folhas de papel decoradas com bichinhos fofinhos ou personagens, e de vez em quando vinha um envelope que combinava com o papel. Era um prazer tão grande colecionar aqueles papeis bonitos de carta que nunca seriam utilizados para escrever carta nenhuma. Eles não precisavam de nenhuma outra utilidade alem de existir e fazer parte daquela coleção que me dava tanto orgulho.

Eu ia falar sobre memória né. Vou tentar falar.

Você já ouviu aquela história que normalmente damos muito mais importância para os eventos ruins do que para os bons? Aquele velho exemplo de quando estamos tendo um dia maravilhoso, com várias coisas que nos deixam felizes acontecendo e tudo indo facilmente água abaixo se por acaso algo nos afetar negativamente. Você talvez até já tenha ouvido um parceiro reclamar que você nem dá tanta bola quando ele diz coisas bonitas, ou tem atitudes bacanas, mas é só ele cometer um errinho que você fecha a cara por uma semana... Foi só comigo isso?!

Ultimamente eu tenho pensado que isso acontece um pouco diferente com a memória. Não sei se é só o meu cérebro que funciona assim, mas para as lembranças parece que acontece meio que o contrário, o peso maior vai para aquilo que foi bom e que deixou saudades. Talvez seja porque é mais fácil para o cérebro se ocupar com as coisas que já não estão e que faltam no lugar de ficar contente com o que está por aqui. Não sei, tenho tentado mesmo entender esse foco no que foi bom, a memória idealizada, essa nostalgia. Parece que o meu cérebro joga fora as lembranças do que foi ruim e amplia a influencia do que foi bom. Sabe, que nem quando vamos fazer uma tatuagem, dói um monte e pode ser que no momento em que estamos ali passe pela nossa cabeça que nunca mais queremos passar por aquilo. Daí uma semana depois a gente esquece da dor e começa a planejar a próxima tattoo.

Uma situação bem pessoal relacionada a isso. Morei na Noruega por quase três anos. Se qualquer pessoa me perguntar se eu gostei de morar lá a minha resposta quase automática é "não". Essa resposta é baseada na minha lembrança racional. Eu me lembro do texto "eu não gosto de morar na Noruega.". Só que ultimamente eu tenho sentido falta da Noruega e eu não sei se a resposta seria a mesma se eu fosse basear ela somente nessa minha memória emocional. Eu me pego pensando em coisas idiotas como eu caminhando na neve indo para o trabalho e isso me traz nostalgia. Eu não consigo lembrar de verdade o quanto eu sofria porque estava frio, porque eu estava cheia de roupas, porque não estava com vontade de trabalhar, porque o chão estava escorregadio. Eu lembro do texto, da parte racional, eu acho que lembro do quanto era sofrido por ter contado para os outros o quanto era sofrido, e é meio que disso que eu lembro. Não sei se lembro tanto das sensações ruins, eu lembro ser gostoso pisar na neve, lembro que delícia era o quentinho do meu casaco, lembro das músicas legais que eu colocava para tocar durante a caminhada até o trabalho, de como era gostoso sentir aquele ar fresco no rosto (até porque a maioria dos dias fazia em torno de zero graus, que é mais agradável, e não menos quinze, que machuca a pele). A verdade é que eu vivi muita coisa boa lá, mas talvez a grande quantidade de coisas ruins estivesse me atrapalhando de ver tudo isso. Agora a ausência das coisas ruins clareie a minha vista para tudo o que foi bom.

Talvez ainda o objetivo final seja trazer essa clareza para o presente e ser capaz de dar mais importância para tudo o que vivemos de bom apesar das coisas ruins.

Era sobre isso que eu ia falar? Já nem lembro...

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