Sobre a importância de pôr os verbos no passado

No período logo após a morte da minha irmã eu não tinha capacidade de colocar os verbos no passado quando eu falava sobre ela. Eu achava também que isso não era necessário porque, afinal de contas, ela vai sempre existir para mim. Depois de um tempo, foi se tornando normal me referir ao passado ao falar dela e com isso eu fui mudando a conjugação dos verbos aos poucos. 

Faz seis meses que eu terminei um relacionamento e durante todo esse tempo eu me agarrava a certos sentimentos e me recusava a usar os verbos no passado. Eu amo. Ao agir dessa maneira eu fechava os olhos para o que acontecia no momento presente e me embriagava com a ilusão do que passou. Fazer isso me machucou bastante, eu precisei ser atropelada pelo caminhão da realidade para perceber que estava usando o tempo verbal errado mais uma vez. A verdade é que eu amei. 

A minha irmã foi muito importante na minha vida e ela vai continuar sempre existindo não só nas minhas lembranças, mas como parte de mim. Ainda assim, sempre que eu falar sobre ela vou usar os verbos no passado, porque ela já não está aqui nesse mundo material da maneira como era ou estava. Ela sou eu agora, mas não é mais ela. O amor por ela ainda existe, a gratidão ainda existe, todo o aprendizado vai existir até o final da minha própria vida. Mas ela passou para o lado da existência no qual os verbos precisam ser postos no passado.

O meu último relacionamento também foi importante, também me ensinou muito e me fez mudar. Mas acabou e é só ao compreender isso e ao começar a me referir a ele no passado que eu vou ser capaz de admirar tudo o que foi bonito, intenso e verdadeiro; e que não é mais. É preciso colocar os verbos no passado para que o passado esteja onde deve estar, pois quando o trazemos para o presente ele se distorce e perde as suas virtudes. 

Eu te amei. Sei que você me amou também. Foi tudo muito bonito. E agora acabou. Agora sou capaz de pôr os verbos no passado. 

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